30 dezembro 2010

Final ou Recomeço ?

Este ano passou suave como uma brisa e fugaz como um furacão. Marcou minha vida de modo tão profundo, que nela ficará registrado como um ano ímpar, recheado de importantes acontecimentos, dos mais simples aos mais complexos.
Passei por momentos difíceis que desafiaram minha fragilidade intrínseca e fizeram-me achar que os obstáculos eram maiores que a minha capacidade de contorná-los. Nessas horas descobri que o choro é muitas vezes a única maneira de amenizar a angústia que funestamente nos dilacera por dentro.
Para minha surpresa e alegria, os problemas ao invés de me fragilizarem ainda mais, permitiram-me ver que eu era mais forte do que imaginava e que de fato "depois da tempestade o sol sempre aparece". Sua luz surgiu onde eu não enxergava nada além de inquietas sombras, e abriram-me um leque de possibilidades que o desespero não me deixava ver.
Sabia, desde o princípio, que este seria um ano decisivo na minha vida. Iria escolher minha futura profissão, prestar vestibular, concluir o Ensino Médio (não necessariamente nesta ordem). Só não imaginei que tais fatos fossem perturbar minha mente de modo tão intenso. Não saber como vai ser daqui para frente me deixa mais confusa do que sou por natureza. O "desconhecido" me amedronta, e o futuro demasiadamente incerto que está por vir, pulveriza o rígido chão que, sob meus pés, sustenta-me, dando apoio à minha tênue existência.
Foi angustiante ter que me despedir da escola onde eu vivi e aprendi tanta coisa. Dizer adeus a pessoas com as quais passei incontáveis manhãs letivas e compartilhei uma infinidade de ideias e emoções. Eu que julgava saber lidar com despedidas, chorei feito criança (ou até mais) ao pensar que no ano seguinte não estarei envolta pelo ambiente escolar que, apesar de imperfeito, me acolheu tão bem, nem pelos colegas com os quais, ainda que imaturos em sua maioria, aprendi tanto. Graças a eles, eu não sou mais aquela garotinha intransigente da 5ª série, que se achava dona da razão. Aprendi a aceitar as diferenças, começando pelo modo único que cada um tem de enxergar o mundo à sua volta.
As lições que aprendi com meus eternos mestres, jamais serão esquecidas. Eles, mais do que ninguém, colaboraram não só para minha formação escolar, mas também para o meu crescimento enquanto ser humano, que inclui meu amadurecimento íntimo. Deus sabe o quanto me farão falta...
Tenho medo de não me adaptar a tantas mudanças, de chorar compulsivamente entre uma recordação e outra. Mas eu sei que quando uma etapa de nossas vidas chega ao fim, cede lugar a outra, melhor ou pior, que está por vir. Não tendo eu o menor domínio sobre o amanhã, resta-me torcer para que essa nova fase da minha tortuosa jornada seja doce o bastante para me fazer feliz e amarga o suficiente para me fazer forte, capaz de transpor qualquer obstáculo que se contrapuser à realização dos meus sonhos.
UM FELIZ ANO NOVO A TODOS !!!
QUE VOCÊS TENHAM AGORA 2.011 MOTIVOS PARA SORRIR ..! =)

15 dezembro 2010

Canções Que Trazem Lições

A música é como um entorpecente que nos faz suportar as adversidades mundanas. Quando a ansiedade e o nervosismo dominam nossa mente, a banda Guns N' Roses entra em cena, irradiando uma paz espiritual gigantesca através da canção "Patience", cujo ritmo sutil e os versos brilhantemente moldados, põem fim à tempestade íntima que outrora nos atormentava.
Se nossas almas se revoltam contra o mundo e suas contradições, "Imagine" começa a tocar, sob a voz psicodélica do memorável John Lennon. Nossa revolta então cede lugar à fantástica idealização do mundo que almejamos, justo e igualitário, onde as pessoas vivem em função do hoje.
Sempre que os problemas aparentam ser maiores que a nossa capacidade de solucioná-los, e os obstáculos parecem intransponíveis, Gonzaguinha invade nossas almas, cantando "Sementes do Amanhã", uma belíssima canção que faz a esperança brotar em nosso âmago, sobre a possibilidade de nascermos como o sol a cada manhã.
Se deixamos o egoísmo guiar nossas vidas e fazemos do amor um sentimento obsoleto que não cabe na sociedade moderna, Renato Russo renasce em nossos corações, lembrando-nos que "é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã".
Artistas como estes tornam-se eternos pelas lições de vida que transmitem em suas canções. Mensagens de amor e fé, que ultrapassam fronteiras de tempo e espaço, encaixando-se perfeitamente bem em qualquer época e lugar do mundo.
É a música que sutiliza nossa árdua missão de viver, e nos motiva a lutar contra tudo que nos faz padecer, lembrando-nos sempre que o amor vem em primeiro lugar e a felicidade é consequência do bem que semeamos entre uma canção e outra.

14 dezembro 2010

Sonho de Uma Noite de Verão

O céu não é mais azul, é negro como o humor dos homens. Os pássaros cantam lágrimas entre suspiros nostálgicos, e o sol não brilha como antes... Os rostos, repletos de cremes, plásticas e maquiagens, ocultam as marcas que o tempo lhes deixara. E os sorrisos, cada vez mais hipócritas, não preenchem o vazio das almas tristes e mórbidas.
O relógio tic-taca sem parar, e as pessoas, escravas do tempo que corre em ritmo inescrupulosamente fugaz, agem de modo mecânico e egoísta, cada vez mais obcecadas por dinheiro e poder.
Nesse cenário sórdido e doentio, desabrocha uma linda flor, entre passos frenéticos nas calçadas e sons que pairam no ar. Essa flor, azul como o céu um dia fora, estabelece um contraste entre a pureza de suas pétalas e a repugnância do mundo que gira ao seu redor.
Uma criança vê de longe a chamativa flor e corre até ela. Com os olhos brilhando de emoção, retira cuidadosamente do chão sua mais esplêndida descoberta, e nomeia-lhe esperança.

07 outubro 2010

Doce Instinto

Teu cheiro me atiça, me atrai e me convida pra cavalgar no teu labirinto íntimo, pra mergulhar nos teus mistérios, na tua insensatez intrínseca.
Meu instinto latente desperta e queima por dentro, como uma chama que cresce cada vez mais. Busco, instintivamente, em teus olhos, uma resposta digna do fogo que de mim se apodera.
Teus lábios então vão de encontro aos meus, e a esperada resposta vem na forma de um beijo, tão quente quanto os nossos corpos, tão profano quanto os nossos desejos.
A paixão nos faz mais humanos, planta fraquezas em nosso âmago, instiga e faz transbordar nossas vontades insanas.
Paramos então de pensar, deixamos por alguns instantes de escutar o que diz a razão, ignoramos a "moral social", que nos persegue e recrimina, aumentando assim a adrenalina que faz nosso sangue ferver, em meio a suspiros ofegantes, intercalados por infindáveis beijos...

18 agosto 2010

Por um mundo melhor

Uma das maiores chagas da humanidade é, indubitavelmente, o preconceito, seja ele referente à cor, ao sexo (mais conhecido como machismo), a pessoas com algum tipo de deficiência, ou ainda com relação a homossexuais, indivíduos de condição financeira baixa, dentre outros.
Todos os preconceitos têm raízes históricas, ligadas a sociedades arcaicas, nas quais os negros eram considerados inferiores, assim como as mulheres. Ambos vítimas de costumes obsoletos e falsas ideologias, que tentam, desde então, justificar a discriminação a que eram e ainda são submetidos.
O preconceito racial provém de sociedades escravocratas. E o machismo advém de um sistema patriarcal, onde o homem é considerado o chefe do lar e a mulher é por ele subjugada.
Essa injustiça atravessou a linha do tempo e veio parar na “contemporaneidade”, onde os homens, ludibriados, acham-se ainda superiores às mulheres. E com essa ilusão em mente, julgam-se mais capacitados para ocupar os melhores cargos no mercado de trabalho e veem-se no direito de violentar suas companheiras.
Lamentavelmente, o número de casos de violência doméstica, seja de cunho físico ou psicológico, vem aumentando a cada dia, e essa atrocidade tomará proporções ainda mais assustadoras se nenhuma providência for tomada.
As mulheres devem unir-se, como fizeram em diversos momentos da História, em prol de uma sociedade mais justa e igualitária, que dê às mesmas o devido valor.
É demasiadamente irônico que hoje, nessa Era dita contemporânea, auge da globalização e das revoluções científicas, preconceitos antiquados como os citados anteriormente perdurem, manchando a imagem de uma civilização que, não fossem as desigualdades absurdas e esses preconceitos sem fundamento, tinha tudo para ser, verdadeiramente, moderna.
Quem disse que o dever da mulher é ser uma eterna dona-de-casa? Em que documento notável consta a inferioridade do negro perante o branco? Será que Deus ama menos os gays pelo simples fato de terem uma opção sexual diferente dos demais?
As mulheres são tão capazes quanto os homens. A cor da pele é um ínfimo detalhe diante da imensidão da alma. E, desse modo, tem peso nulo sobre nossa índole, sendo inadmissível, portanto, a ideia da superioridade dos brancos com relação aos negros.
Marx afirmava que a luta dos contrários era o verdadeiro motor da História. E, dia após dia, sua tese se comprova, por intermédio das diferenças que, inegavelmente, movem o mundo.
Que graça teria uma sociedade integralmente homogênea?! São as diversidades que formam a “identidade universal”. Como já dizia Heráclito, “a unidade do mundo é sua multiplicidade”.
Quando as pessoas entenderem de uma vez por todas a importância da diversidade em suas vidas, atitudes preconceituosas e discriminadoras inexistirão e, finalmente, todos nós, respeitando de maneira mútua as diferenças, poderemos confiantes dizer que o mundo caminha para a evolução.

25 julho 2010

Compartilhando Amarguras

"Quanto vale a vida perdida e sem razão/Num beco sem saída, quanto vale a vida?"
Uma vez disseram-me que o pior de todos os cansaços, era o severo cansaço existencial. Hoje compreendo melhor essas palavras. Qualquer tese deixa de ser abstrata e é melhor apreendida quando se vivencia a mesma, quando o que antes parecia longínquo, passa a fazer parte do nosso cotidiano, como o tal cansaço existencial passou a fazer parte do meu.
Quando crianças, nossas frustrações se limitam a um brinquedo que nos é negado, ou a um castigo que nos é imposto. Crescemos e nos deparamos com desapontamentos cada vez mais agudos, e infinitamente piores que nossas frustrações pueris.
Sucessivos tropeços nos deixam perenes cicatrizes. Decepções mortificam nosso âmago. E, como se não bastasse, o mundo nos penaliza dia após dia com uma desigualdade sem fim... Vivendo em tais condições, molestados pelas circunstâncias, não é espantoso que cansemos de existir.
Nas noites frias e solitárias, chego a conversar com o vento. Peço que me leve consigo para onde eu possa sentir um prazer existencial que me faça esquecer o cansaço de outrora, e me possibilite desfrutar da felicidade pura que buscamos incessantemente nesse mundo atroz.
Quero um dia poder olhar para trás e rir de tudo o que me faz padecer: desse universo corrompido, dessa humanidade mesquinha, dessa vida sem sentido.

11 julho 2010

Revolta e Nostalgia

"Bem-aventurados sejam os senhores do progresso/Esses senhores do regresso..."
Essa é a Era da tecnologia e da precariedade moral, das crises de super-produção e dos miseráveis que morrem de fome dia após dia. Eu falo da Era dos rótulos atraentes e dos conteúdos vazios, das aparências impecáveis e dos cérebros ocos. Era da industrialização e da atmosfera podre, da globalização e do aquecimento global que, paradoxalmente, nos deixa cada vez mais frios. Trata-se da Era dos lucros gigantescos e dos casamentos falidos, do consumo exacerbado e da miséria abundante. Era de infindáveis festas e igrejas vazias, das revoluções científicas e do comodismo hereditário. Eu falo da Era da juventude fútil, das famílias desmembradas, da hipocrisia reinante. Era do medo, da indecisão, do egoísmo e da maldade. Quero voltar pra minha Era, pra Era de onde nunca deveria ter saído...

10 julho 2010

Entre Um Acorde E Uma Canção

"A vida é mesmo assim/Dia e noite, não e sim".
Não me faça perguntas. Não tenha sede de descobrir quem realmente sou. Talvez nem eu mesma saiba. Dê-me um beijo na testa antes de partir. Dispenso flores e bilhetes de despedida. Não me alimento de palavras. Poetas jamais me seduziram. Poucos homens, por sinal, conseguiram fazê-lo. Você foi um deles. Mas não pense que por isso me cairei aos seus pés, ou esquecerei suas mentiras, seu jeito ambíguo de ser, sua indecência intrínseca...
Não nego, contudo, o bem que sua presença me faz, o desejo que arde em meu corpo quando de mim se aproxima, e a tristeza que me entorpece cada vez que se vai... Conhecendo a dor que sua ausência me traz, peço em pensamento que não me deixe, embora seja orgulhosa demais para suplicar-lhe que fique.
Essa noite valeu por uma vida inteira. O vinho, as carícias, os risos, as confissões ao pé do ouvido, os psicodélicos beijos, a proximidade, o toque, o cheiro, a euforia, o magnetismo que entrelaçou nossos corpos, a ida efêmera ao paraíso e o lento retorno à Terra. Ainda que eu corra o risco de despertar e não te ver, essa noite ficará registrada como a mais completa das noites que tive.
O sol irá nascer, trazendo consigo um novo dia, recheado de surpresas, escolhas e desejos. Talvez você não esteja mais entre os meus. Talvez se transforme na remota lembrança de um passado do qual fez parte. Ou pode ser ainda que o amanhecer não consiga arrancar-lhe de minh'alma. Não sei o que o amanhã reserva pra mim, nem pra você, nem pra ninguém. "O futuro a Deus pertence", não é mesmo? Só peço que não se esqueça de dar-me um beijo na testa e fechar a porta antes de sair.

04 julho 2010

O Mundo Pertence Aos Que Acreditam...

"You may say I'm a dreamer/But I'm not the only one" (Imagine-John Lennon)
Não me identifico com esse mundo hostil, tampouco com os seres frios e egoístas que ele habitam. Não vejo graça na TV, no carnaval, no futebol, nem em nenhum outro instrumento de alienação dos pouco esclarecidos.
A desigualdade me incomoda como uma dor de dente, ou uma enxaqueca irremediável. Ver a miséria e a violência dominando o mundo, me faz padecer como quem assiste, de mãos atadas, à morte de um ente querido.
O que em mim pensa está sentindo que não há mais saída, que estamos todos por um fio. Mas no meu peito um coração sonhador, que bate cada vez mais apertado, insiste em me lembrar que enquanto o sol brilhar, uma luz insólita nos fará enxergar a solução oculta pelas sombras do nosso pessimismo intrínseco.
Eu que confio cegamente na filosofia desse meu coração, volto a ter esperança, a crer num mundo melhor, igualitário e pacífico, onde as pessoas se alimentam do bem que fazem ao próximo, e a união se sobrepõe diante das diferenças. Eis o mundo dos meus sonhos. Eis o mundo dos sonhos de grande parte dos meus semelhantes.
Utopia? Loucura? Chame do que quiser! Quero apenas lembrar-lhe, caro leitor, que as grandes revoluções da História foram lideradas por vigorosos sonhadores (ou loucos, como preferir). São essas almas que movem o mundo e devolvem a esperança a quem cansou de esperar.

16 maio 2010

Dia Comum e Paradoxalmente Ímpar

"Se você não entende, não vê. Se não vê, não entende."
Tocava a calçada com seus sapatinhos delicados e barulhentos. Observava as paisagens e as pessoas com os olhos curiosos da criança indagadora que um dia fora.
Tudo o que compunha o cenário urbano chamava-lhe a atenção. O velhinho de aparência desgastada, que empurrava com dificuldade um carrinho de picolés. A mãe que acalentava o garoto de olhar intrépido, cujo choro esdrúxulo e estridente molestava ouvidos sensíveis como os seus. Decidiu, desde então, abdicar do direito de ser mãe.
O casal de namorados no banco da praça, a libélula que pousava desconfiada no nariz do filósofo lunático, o bêbado que tropeçava em sua embriaguez. Tudo a impressionava. Tudo era inédito aos seus olhos, àqueles olhos de perpétua criança.
Uma rosa azul, que se destacava em meio a elegantes rosas vermelhas, fez a moça lembrar-se de algo que a mãe lhe dissera antes de "ir estudar a geologia dos campos santos". O vento parecia soprar, delicadamente, suas sábias palavras:
"Se um dia, por qualquer motivo que for, te sentires diferente de todo o resto do mundo, solitária, triste, excluída, lembra-te, minha filha, que, em um canteiro de rosas similares, aquela que tem a cor ou o perfume singular, é mais especial que as demais..."
De fato sua mãe tinha razão. Aquela rosa azul, que parecia perdida em meio a uma infinidade de rosas vermelhas, estava melhor situada que todas elas, fazendo a diferença naquele mundo em forma de jardim. "Que bela analogia, mamãe!" _ pensou a mocinha olhando pro céu.
Perguntou as horas ao sol e ele respondeu se pondo. Ela concluiu que era hora de voltar pra casa. Seu pai devia estar preocupado. Despediu-se da rosa azul com um sorriso, abraçou o vento, cheirou a atmosfera e se foi com seus sapatinhos delicados e sua essência juvenil, que perfumava o ar e adocicava as paisagens por onde passava.

07 abril 2010

Lembranças de Um Passado Despedaçado

"Quem me dera ao menos uma vez ter de volta todo o ouro que entreguei a quem conseguiu me convencer que era prova de amizade se alguém levasse embora até o que eu não tinha..."
Era um dia como outro qualquer. Até emergir, entre inquietas ondas, um povo diferente de tudo o que aqueles olhos bucólicos estavam habituados a ver. O sol brilhava formidavelmente, e seu calor intrínseco agitava ainda mais os corações afoitos, aguardando a sentença que viria do céu.
Dessa vez, para a surpresa de suas almas indígenas, não foram as nuvens que trouxeram a sentença divina, mas sim as águas cintilantes daquele pérfido mar. Homens que se escondiam atrás de infindáveis vestes e alguns apetrechos. Tinham os olhos empestiados de ganância e o coração intrépido, hostil.
Pisaram a terra e os nativos que lá viviam à espera da sentença que nortearia suas vidas. A mesma veio de navio, carregada de ambição e maldade. Era sintetizada na imagem daquele povo dito "civilizado", que vinha de longe em busca de coisas que não se leva pro céu.
Roubaram mais que pedras preciosas. Furtaram a alma do indígena, escarraram nos seus costumes, menosprezaram sua simplicidade, criticaram a nudez do seu corpo e a transparência de sua alma.
Trouxeram epidemias que molestaram seu âmago e a ele deram espelhos que refletiam o que havia de mais torpe e cruel. Fizeram-no derramar moribundas lágrimas que banharam seu jardim. A seiva parou de circular no interior das plantas, o sangue parou de correr pela veia do índio.
O sol resolveu se matar e, desde então, desde a chegada desse povo "pseudo-civilizado", aquele lugar iluminado e pacato converteu-se numa escuridão sem fim, onde passaram a circular os fantasmas dos seres ingênuos que deitavam à noite em suas redes para assistir ao magnífico espetáculo celeste, apreciar o rútilo das estrelas e conversar com a lua.
Esses fantasmas, ainda inocentes, estão agora em volta de uma fogueira, que queima impiedosamente o que restou de suas almas. Não convém que haja qualquer vestígio de pureza num mundo onde reina a sujeira e a ganância.

27 março 2010

Uma Conchinha Em Meio ao Perpétuo Fluxo das Águas do Mar

"Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia, tudo muda o tempo todo no mundo..."
Sei o quanto a mudança se faz necessária. Se a borboleta não sofresse metamorfose, seria para sempre uma ínfima lagarta, não teria asas mágicas, capazes de nos entorpecer com seu brilho e sua flexibilidade. Seria apenas uma lagarta úmida e flácida, como tantas outras.
Heráclito, um dos mais brilhantes filósofos da História, percebeu que o "devir", o incessante fluxo, a mudança, estavam presentes em todas as coisas e seres. Descobriu que a vida se baseia na "luta dos contrários" e na ideia de que tudo flui (nada permanece igual para sempre).
Eu compartilho de sua tese, mas não oculto a intrínseca dificuldade que tenho em lidar com essas sucessivas transformações. Isso se deve ao péssimo hábito que possuo de me apegar a momentos, situações e pessoas, tudo o que, indiscutivelmente, flui.
Quando a mudança se dá, fria e veloz, os momentos são postos no baú das reminiscências, as situações adquirem novos aspectos e as pessoas dão uma faxina geral em seu íntimo, desprezando algumas ideias e reciclando outras, edificando concepções e quem sabe até mudando de comportamento.
Parece ridículo, mas eu tenho medo de mudar. Deixar as coisas fluírem, desapegar, é o meu desafio mais complexo. O dinamismo me aborrece. Mas sei que o problema não está nele, nessa fluidez contínua, o problema está em mim, no meu recôndito comodismo, nesse meu medo de arriscar, na minha insegurança íntima.
É preciso que eu me permita mudar, jogar fora tudo o que me entristece, abrir mão do que não me satisfaz por inteira, dessas migalhas que me subnutrem, pois só assim vou me sentir livre, completa e, inteiramente, feliz... Espero que Ele me ajude nessa indispensável empreitada.

19 fevereiro 2010

Quando A Gente Ama

"Aquele que tentar possuir uma flor, verá sua beleza murchando. Mas aquele que apenas olhar uma flor num campo, permanecerá para sempre com ela. Você nunca será meu e por isso terei você pra sempre..."
É ridículo de minha parte lhe pedir explicações, pois não temos nenhum compromisso. Nos beijamos algumas vezes, trocamos palavras de afeto e olhares ávidos de prazer. Mas não pertence a mim e eu... Eu também não pertenço a você. Pessoas não podem ser possuídas como objetos. Ninguém é de ninguém. Não somos um do outro.
Mas quando colo a cabeça no travesseiro, você é a primeira coisa que me vem à mente. Se sonho, é com o dia que seremos imunes a complicações e algemas, livres um pro outro.
Se ouço uma canção, é como se cada verso falasse de nós dois e quando aprecio o rútilo das estrelas é com seu olhar que eu me deparo. A lua, que já me confidenciou tantos segredos, insiste pra que eu lhe revele o nosso, mas eu exito, afinal, há segredos que são ocultos, inefáveis.
Sua ausência é sarcástica, cruel. Faz transbordar lágrimas em meu íntimo, teima em me lembrar que está distante de mim, beijando outros lábios, acariciando outra pele...
Já nos meus sonhos está sempre presente, transformando em alegria toda minha angústia. Ah, se soubesse o quanto me faz bem ver você sorrir. É como se o mundo inteiro desse infindáveis gargalhadas e todas as rosas vermelhas desabrochassem. É como se a paz reinasse e as pessoas amassem, verdadeiramente, umas às outras, como manda o Criador.
Seu olhar me despe de máscaras, ambiguidades, e semeia em meu âmago o insano desejo de querê-lo sempre por perto. Mas minha ilusão se dissipa, como um castelo de areia que o vento sopra, quando lembro que algo cerceia meus sonhos de tornarem-se reais. São mantidos presos no cárcere da convenção e lá estão a esperar que você os liberte e faça com que sejam mais que meros devaneios de uma donzela apaixonada...

13 fevereiro 2010

Aos Que Creem Em Amor à Primeira Vista

"Quem vai dizer ao coração/ que a paixão não é loucura/ Mesmo que pareça/ insano acreditar/ me apaixonei por um olhar/ por um gesto de ternura/ mesmo sem palavra/ alguma pra falar..."
O olhar morno e pacato da moça que aspirava o perfume de delicadas flores, foi de encontro aos olhos expressivos e intrépidos do rapaz que observava com explícita curiosidade o comportamento dos pássaros.
A natureza ecoava um canto doce e ameno, que acariciava o coração dos apaixonados. O sol brilhava mais que de costume e o céu nunca estivera tão azul. O vento soprava delicadamente e sussurrava "Carpe Diem" nos ouvidos dos que ignoravam a efemeridade da vida.
Os olhares pareciam ligados por uma força sublime, potente e inigualável, que mantinha as jovens almas coesas. Os olhos dele refletiam o que havia de mais enigmático num mar de incógnitas, diferentemente dos olhos da moça, que não carregavam mistério algum, eram dotados de uma sinceridade bucólica, que raramente se encontra em meio a prédios suntuosos e intrínseca poluição. É demasiadamente difícil cruzar com olhos tão desnudos num mundo onde prevalecem as máscaras.
Não era mais uma simples troca de olhares. Eles compartilhavam experiências, sonhos e perspectivas. Aquele insaciável diálogo era assistido pela natureza e o arco-íris que emergia entre poéticas nuvens simbolizava o amor que acabava de nascer.

16 janeiro 2010

Marcas do Tempo

"Eu não dei por esta mudança/ tão simples, tão certa, tão fácil/ Em que espelho ficou perdida a minha face?" (Cecília Meireles)
Levantou-se da cama com dificuldade, fixou os pés no chão e se pôs a procurar seus óculos, sem os quais não enxergava praticamente nada. Estavam sobre um livro aberto em cima da escrivaninha. Decerto os deixara lá quando a leitura cedeu lugar ao sono.
As noites eram tristes, monótonas, e para que a solidão não a fizesse padecer, jamais dispensava a companhia agradável de bons livros, cujas histórias devolviam-lhe o ânimo que o tempo roubara.
Caminhando lentamente, com o passo quase ausente de tão pacato, entrou no banheiro, acendeu a luz e se pôs a observar sua extenuada imagem refletida no espelho. Olhar triste e vazio, pele enrugada, mãos pálidas e trêmulas, cabelos brancos "como a bruma", lábios secos e mudos.
Onde foi parar o corpo cheio de curvas, a pele lisa e macia, os olhos vivos, intrépidos?! Não sabia. Tampouco sabia se sua alma envelhecera junto ao corpo. É provável que sim, afinal, o espírito indagador e vigoroso de outrora emudeceu e perdeu a disposição que instigava seus movimentos e atitudes.
Sentiu-se similar a uma rosa murcha, sem atrativos, sem força, sem vida. O espelho lhe mostrou o que ela se recusava a enxergar. Preferia viver mergulhada na ilusão, hermética em sua intrínseca timidez, procurando, incessantemente, juventude por trás daqueles olhos obsoletos e alegria ao redor daquele sorriso medíocre.
Apagou a luz, tropeçou em sua melancolia e segurou com relativa firmeza a mão da velhice. Agora as duas eram uma só. Caminhou em direção à cama, colocou novamente o par de óculos sobre o livro semiaberto e adormeceu embalada por infindáveis reminiscências.

09 janeiro 2010

Quando Acaba Uma Paixão

"A gente vê que perdeu ou está perdendo alguma coisa morna e ingênua, que vai ficando no caminho."
A respiração ofegante, os seios fartos e desnudos, o lençol úmido de suor, o gosto do amante em sua boca, o cheiro másculo impregnado em seu corpo, a alma ainda viajando, entre campos e desertos...
O sol teima em nascer, a luz entra, sem pedir licença, pela janela e o prazer intenso de outrora se converte na lembrança de uma noite intensamente vivida. O desejo aumenta, até se tornar constante e, com o passar do tempo, começa a declinar. O beijo não é mais gostoso, fazer amor não dá prazer. Deitam-se como dois estranhos e, como dois estranhos, despertam.
Culpam um ao outro pela barreira misteriosamente edificada entre ambos. Se ofendem, pedem desculpas, se abraçam, choram; afirmam que tudo voltará a ser como era antes. Não voltou. Embora vivam na mesma casa, se distanciam mais a cada dia. Comportam-se como dois desconhecidos, contrariando os anos de convivência. Mal se falam, mal se beijam, mal se amam...
Os corpos não se atraem, as almas se desprendem, a união se desfaz. Brigam por qualquer motivo, por qualquer motivo querem o divórcio. De tanto querer, foram parar num tribunal e lá estão a brigar pela guarda dos filhos.
Seus olhares se cruzam por alguns instantes. E, por alguns instantes, se perguntam o que estão fazendo ali, se as coisas não podiam ser resolvidas de outra maneira e por que, por que o amor acabou, o que fizeram de errado ou o que deixaram de fazer... Tantas dúvidas e uma só certeza: o matrimônio se extorquiu, a vida a dois se dissipou. O jeito é seguir em frente, SEPARADOS.