"Entra na minha casa, entra na minha vida, mexe com minha estrutura, sara todas as feridas ..."
Chegou como quem não quer nada, entrou pela porta dos fundos, fitou-me enquanto terminava de tomar meu leite morno com cereal. Em seguida, puxou um tamborete e nele sentou-se, me observando ainda.
Instantes depois, pediu-me um copo d'agua e eu, gentilmente, o trouxe. Mamãe sempre dizia para não dar atenção a estranhos, mas com ele era diferente. Não o julgava estranho, tampouco perigoso.
Tinha o cabelo branco "como a bruma" e uma barba enorme que ornamentava meus sonhos natalinos. Falava calmamente, sem pressa alguma de completar cada frase que emitia. Sorria de um jeito simples e ao mesmo tempo rebuscado.
Sua simplicidade complexa me encantara. Tinha o rosto enrugado e as mãos trêmulas, mas seus olhos azuis e intrépidos me faziam ver, por trás daquele frágil velhinho, uma vigorosa criança.
Pedi para que colocasse seu modesto chapéu em minha cabeça, ele o fez e demos boas gargalhadas. Contou-me piadas, falou do céu, da lua, de tudo e mais um pouco, menos de si. Perguntou-me se era feliz, eu fiz que sim com a cabeça, ele sorriu e, vagarosamente, se pôs de pé. Vi que ia embora e entristeci-me. Foi nesse instante que ele olhou fundo nos meus olhos e disse:
"Eu sempre estarei contigo, minha filha. Cada vez que te sentires imersa na solidão e desejares minha companhia, ouve o que diz teu sábio coração, ele fala por mim."
Abraçou-me e se foi. Para onde, não tenho idéia. Mas quando a saudade me faz padecer, eu sei bem como encontrá-lo...