02 novembro 2009

Visita Divina

"Entra na minha casa, entra na minha vida, mexe com minha estrutura, sara todas as feridas ..."
Chegou como quem não quer nada, entrou pela porta dos fundos, fitou-me enquanto terminava de tomar meu leite morno com cereal. Em seguida, puxou um tamborete e nele sentou-se, me observando ainda.
Instantes depois, pediu-me um copo d'agua e eu, gentilmente, o trouxe. Mamãe sempre dizia para não dar atenção a estranhos, mas com ele era diferente. Não o julgava estranho, tampouco perigoso.
Tinha o cabelo branco "como a bruma" e uma barba enorme que ornamentava meus sonhos natalinos. Falava calmamente, sem pressa alguma de completar cada frase que emitia. Sorria de um jeito simples e ao mesmo tempo rebuscado.
Sua simplicidade complexa me encantara. Tinha o rosto enrugado e as mãos trêmulas, mas seus olhos azuis e intrépidos me faziam ver, por trás daquele frágil velhinho, uma vigorosa criança.
Pedi para que colocasse seu modesto chapéu em minha cabeça, ele o fez e demos boas gargalhadas. Contou-me piadas, falou do céu, da lua, de tudo e mais um pouco, menos de si. Perguntou-me se era feliz, eu fiz que sim com a cabeça, ele sorriu e, vagarosamente, se pôs de pé. Vi que ia embora e entristeci-me. Foi nesse instante que ele olhou fundo nos meus olhos e disse:
"Eu sempre estarei contigo, minha filha. Cada vez que te sentires imersa na solidão e desejares minha companhia, ouve o que diz teu sábio coração, ele fala por mim."
Abraçou-me e se foi. Para onde, não tenho idéia. Mas quando a saudade me faz padecer, eu sei bem como encontrá-lo...