Nunca, em minha ínfima existência, cheguei a refletir sobre a morte. Nem mesmo quando me fez derramar incessantes lágrimas ao levar alguém que amava. O tempo todo achei que devia apenas me preocupar com o presente, nada de me atordoar com o que podia ou não acontecer no futuro. Talvez por isso julgavam-me leviana demais. Acho que de fato o era, por influência dos poetas árcades que sussurravam "Carpe Diem" em meu ouvido nos dias de monotonia ou por intrínseca devoção ao hoje e seus mistérios.
Não preciso de argumentos, não aqui onde estou. É frio, e escuro como uma noite sem luar. Nada vejo além de sombras. As sombras do meu passado se fazem mais presentes que nunca. Sinto falta da luz do sol, dos dias de chuva, do cantar dos pássaros... Até mesmo a pouco saudável vida urbana me deixou saudades.
Aqui o sol sempre se esconde, a chuva nunca cai e os pássaros além de tristes são mudos. Presumo que tenham morrido, como quem vos escreve. Ah, se pudesse abraçar meus pais pela última vez, dizer o quanto os amo e desculpar-me por, na maioria das vezes, ter sido incapaz de expressar com exatidão o que eles significam pra mim.
Mas não posso. Aqui não tenho domínio sobre nada. Imagens fúnebres embaralham meus alienados pensamentos, criaturas funestas roubam minhas lembranças. Todas, exceto uma: a lembrança do seu olhar, que, ao contrário do meu, está mais vivo que nunca, e me policia a todo instante, fazendo-me crer que sempre há vida onde prevalece o amor...