16 maio 2010

Dia Comum e Paradoxalmente Ímpar

"Se você não entende, não vê. Se não vê, não entende."
Tocava a calçada com seus sapatinhos delicados e barulhentos. Observava as paisagens e as pessoas com os olhos curiosos da criança indagadora que um dia fora.
Tudo o que compunha o cenário urbano chamava-lhe a atenção. O velhinho de aparência desgastada, que empurrava com dificuldade um carrinho de picolés. A mãe que acalentava o garoto de olhar intrépido, cujo choro esdrúxulo e estridente molestava ouvidos sensíveis como os seus. Decidiu, desde então, abdicar do direito de ser mãe.
O casal de namorados no banco da praça, a libélula que pousava desconfiada no nariz do filósofo lunático, o bêbado que tropeçava em sua embriaguez. Tudo a impressionava. Tudo era inédito aos seus olhos, àqueles olhos de perpétua criança.
Uma rosa azul, que se destacava em meio a elegantes rosas vermelhas, fez a moça lembrar-se de algo que a mãe lhe dissera antes de "ir estudar a geologia dos campos santos". O vento parecia soprar, delicadamente, suas sábias palavras:
"Se um dia, por qualquer motivo que for, te sentires diferente de todo o resto do mundo, solitária, triste, excluída, lembra-te, minha filha, que, em um canteiro de rosas similares, aquela que tem a cor ou o perfume singular, é mais especial que as demais..."
De fato sua mãe tinha razão. Aquela rosa azul, que parecia perdida em meio a uma infinidade de rosas vermelhas, estava melhor situada que todas elas, fazendo a diferença naquele mundo em forma de jardim. "Que bela analogia, mamãe!" _ pensou a mocinha olhando pro céu.
Perguntou as horas ao sol e ele respondeu se pondo. Ela concluiu que era hora de voltar pra casa. Seu pai devia estar preocupado. Despediu-se da rosa azul com um sorriso, abraçou o vento, cheirou a atmosfera e se foi com seus sapatinhos delicados e sua essência juvenil, que perfumava o ar e adocicava as paisagens por onde passava.