28 março 2009

Regozijando O Âmago

Às vezes, de ímpeto, como alguém que chega sem histórico ou referência, surge em mim uma forasteira vontade de escrever. E, pelo hábito um tanto quanto audacioso que tenho de respeitar minhas vontades, escrevo. Sem tema, sem rumo, apenas obedecendo a um capricho íntimo.
As palavras dançam em minha alienada mente, e eu, pouco dotada de senso crítico, seleciono as que julgo mais providas de dinamismo dócil e aqui as uno, por laços de concordância gramatical ou de maneira aleatória, só pra que elas se sintam coesas.
O engraçado é que isso me proporciona prazer. Não um prazer físico efêmero, mas um prazer espiritual grandioso. O mesmo que me liberta do cárcere mundano e me leva à imensidão do céu, ao universo das idéias. Onde não há modismos, convenções, regras... As pessoas são pelo simples fato de ser, e se orgulham disso. Nada de máscaras, hipocrisia, violência... É um verdadeiro oásis nesse mundo sombrio e inquietante.
Pena que a realidade insiste, maldosamente, em me trazer de volta à mesquinhez, à melancolia. E assim sendo, não tenho outra escolha senão deixar que as palavras me peguem pela mão e me guiem durante a tempestuosa dança da vida. Ajudando-me a me encontrar nessa incessante busca pelo meu verdadeiro eu...

25 março 2009

Civilização Manchada de Sangue

Cuspiram na sua cara, o chamaram de animal, obrigaram-no a pedir perdão de joelhos. Ele obedeceu, sem ao menos saber por que o fazia. Tinha os olhos sangrando de raiva. As surras o debilitaram a ponto de mal conseguir se mover, e ainda assim uma voz fria bradava:
"Mais vinte chibatadas!"
"Nããão! Pelo amor de Deus, seu moço! Ele não vai aguentar mais vinte." _ suplicou, em meio a incessantes lágrimas, sua mulher, cuja aparência desforme e os olhos mortos refletiam os sofrimentos aos quais fora submetida desde sua vinda ao mundo.
Os gritos, as lágrimas, de nada adiantaram. Da pele negra jorrava sangue, dos lábios secos saíam algumas sofríveis sílabas, precisamente duas: Por quê? Dos olhos insípidos caíam lágrimas de revolta e dor, até que se fecharam. Seu coração se fechou.
Nem deixaram a família enterrar o corpo. Disseram que queimá-lo era mais ponderável. Do destino de sua pobre alma, nada sei. Apenas torço para que a sociedade celeste não seja e s c r a v o c r a t a...

23 março 2009

Paradoxos de Um Paranóico

Olho em direção ao céu, admiro o rútilo das poucas estrelas que o iluminam. Sinto saudade. Saudade de um futuro sonhado nos meus mais recônditos sonhos. Um futuro imaginado no passado que infelizmente não faz parte do presente.
Me perco no meu perene desatino. Imagens fúnebres ofuscam o brilho insonso que minha mente teima emitir... Ouço vozes. Se não me ludibrio, trata-se de um casal discutindo na esquina. Lembro-me de nós.
Suas palavras torturam meus extenuados ouvidos. São como ruídos ensurdecedores. Não podia mesmo dar certo. Como fui estúpido, infinitamente estúpido... As evidências me mostravam o tempo todo quão diferente era você de mim.
Eu, tal qual um verbo transitivo, carecia de complemento. Mas não podia ser um complemento qualquer. Um objeto indireto, talvez. Você, de maneira inexoravelmente antagônica, dispensava remates, ornamentos. Você se bastava!
O casal se esvai em meio ao brilho intenso das estrelas. Se esvai, outrossim, minha nostalgia, meus devaneios. A lua me chama de paranóico e ri de mim. Um riso sarcástico, escarnecedor, torpe. Minhas lágrimas de melancolia e revolta caem ao chão, e posteriormente evaporam, tal qual meus sonhos e fantasias.

Frustração Sensitiva

Meus olhos erradios buscam incansavelmente algo que desconheço. Presumo que seja coisa afável, de modo que os julgo extenuados de ver tanto azedume, tanta aspereza. Este algo também deve ser alegre, pois eles já estão tristes de ver tanta tristeza.
Armário, TV, computador, cama... Nada disso! Objetos são desalmados, e esse algo que meus olhos procuram tem alma, alma de artista, diga-se de passagem. Da janela eles policiam uma borboleta, que voa doce e livremente, sem a mínima pressa de chegar não sei onde.
Se simpatizam com o olhar intrépido de um gato que me observa à distância. Contudo, nem a borboleta nem o gato são o que eles almejam ver. Já desesperançosos, se erguem e admiram o azul do céu, os pássaros, o sol... É tudo muito lindo e sublime, mas eles não se deleitam com essa aprazível paisagem. Pelo contrário, choram lágrimas de amargura e decepção, por nada daquilo que conseguem enxergar ser o que eles aspiram ver.
Se existe uma explicação plausível pra isso, eu venero Antoine d'Saint quando este afirma que "só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos". Ínfimo olhar!

Previsão de Um Futuro Próximo

Sentei-me na lua a observar as estrelas. Um anjo vestido de azul emergiu de algum lugar do infinito e veio sentar-se comigo. Perguntou-me quem era, não soube responder, sou ambígua demais pra saber quem sou. Perguntou-me de onde vinha, chorei incessantemente.
"Por que chora, menininha?"
Contei-lhe que meu mundo havia sido destruído...
"Mas quem faria uma maldade dessas?"
"Os homens. Eles descobriram a bebida e se embebedaram, descobriram as drogas e se drogaram, descobriram as armas e se mataram..."
"E o mundo, menininha?"
"O mundo foi se acabando quando eles descobriram em si a ambição e a maldade."
Rhayanne C. M. Neto