07 abril 2010

Lembranças de Um Passado Despedaçado

"Quem me dera ao menos uma vez ter de volta todo o ouro que entreguei a quem conseguiu me convencer que era prova de amizade se alguém levasse embora até o que eu não tinha..."
Era um dia como outro qualquer. Até emergir, entre inquietas ondas, um povo diferente de tudo o que aqueles olhos bucólicos estavam habituados a ver. O sol brilhava formidavelmente, e seu calor intrínseco agitava ainda mais os corações afoitos, aguardando a sentença que viria do céu.
Dessa vez, para a surpresa de suas almas indígenas, não foram as nuvens que trouxeram a sentença divina, mas sim as águas cintilantes daquele pérfido mar. Homens que se escondiam atrás de infindáveis vestes e alguns apetrechos. Tinham os olhos empestiados de ganância e o coração intrépido, hostil.
Pisaram a terra e os nativos que lá viviam à espera da sentença que nortearia suas vidas. A mesma veio de navio, carregada de ambição e maldade. Era sintetizada na imagem daquele povo dito "civilizado", que vinha de longe em busca de coisas que não se leva pro céu.
Roubaram mais que pedras preciosas. Furtaram a alma do indígena, escarraram nos seus costumes, menosprezaram sua simplicidade, criticaram a nudez do seu corpo e a transparência de sua alma.
Trouxeram epidemias que molestaram seu âmago e a ele deram espelhos que refletiam o que havia de mais torpe e cruel. Fizeram-no derramar moribundas lágrimas que banharam seu jardim. A seiva parou de circular no interior das plantas, o sangue parou de correr pela veia do índio.
O sol resolveu se matar e, desde então, desde a chegada desse povo "pseudo-civilizado", aquele lugar iluminado e pacato converteu-se numa escuridão sem fim, onde passaram a circular os fantasmas dos seres ingênuos que deitavam à noite em suas redes para assistir ao magnífico espetáculo celeste, apreciar o rútilo das estrelas e conversar com a lua.
Esses fantasmas, ainda inocentes, estão agora em volta de uma fogueira, que queima impiedosamente o que restou de suas almas. Não convém que haja qualquer vestígio de pureza num mundo onde reina a sujeira e a ganância.