11 junho 2009

Simplicidade Complexa

Ele queria se aventurar, sabia que era arriscado, mas era de risco que sua insonsa alma carecia. Nada de se atirar no precipício ou pular num rio com dez metros de profundidade sem saber nadar. Queria, de fato, algo que instigasse seu espírito aventureiro e "estudar a geologia dos campos-santos", definitivamente, não era uma boa.
Como devia ser perfeito o dia-a-dia de um herói _pensava. Ter uma super-vida, super cheia de adrenalina, ser super bonito, super famoso, super idolatrado, nada de sub-vida, sub-aventura, sub-fama, sub-beleza...
Até a rotina de uma briófita devia ser mais excitante que a sua. Ela faz fotossíntese, ele nem clorofila tem. Só melanina e consciência. Aquela que julga, e oprime, e critica, como o mais impiedoso dos juízes.
Ainda não dominava a razão de sua torpe existência. Mais um, em meio a tantos seres esdrúxulos e previsíveis, oscilando entre animal racional e homem insano, dotado de uma sensibilidade dogmática e de uma aspereza rudimentar que modelava seus traços secos e mal feitos.
Olhar intrépido e ponderado, passo curto e longo, jeito calmo e hostil, temperamento silencioso e frenético, ele era um verdadeiro paradoxo ambulante, o mais estranho e enigmático dos paradoxos. Aquele que é o que ora fora e, simultaneamente, parte do que virá a ser.
Detestava andar em meio à multidão. Não suportava aquele odor resultante de uma vil mistura de perfumes diversos, tampouco os bêbados que nele esbarravam. A fumaça produzida pelos cigarros dos fumantes adentrava suas narinas e penetrava em seu pulmão, fazendo-o arrepiar-se e tossir. Tossia incessantemente, como um tuberculoso, talvez o era e não sabia.Vozes diferentes em tons diversos dominavam sua mente, o que não era difícil, de modo que suas idéias sempre foram volúveis e persuasivas. No trio elétrico tocava “all my loving” e as temíveis vozes cediam lugar às suas reminiscências. Beatles, Bela... Queria voltar no tempo. Ah, se pudesse beijar de novo aqueles lábios adocicados, acariciar aquela pele macia que ornamentava seus sonhos e delírios juvenis. O presente é bizarro, funesto. O que lhe regozijava eram as lembranças de um passado relativamente bem vivido. Mas padecia em seguida, ao pensar que eram só lembranças. É o hoje que vive, é o hoje que domina, é o hoje que maltrata. Embora entorpecido e saudosista, ergueu a cabeça, lembrando que esse mesmo hoje, diferentemente do ontem, pode ser escrito da maneira que desejar, obedecendo ou não a regras e convenções “gramaticais”. O presente é a valiosa oportunidade que nos é concedida de recomeçar, com novos sonhos, novas idéias, nova vida...

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